Imaginário X Real (Fase da subversão)

(Newton, William Blake) 

William blake foi um poeta, gravurista e pintor inglês (1757 – 1857). Foi contemporâneo do movimento iluminista, e se destacou por sua arte mística. Sua vida foi marcada por visões, aos 10 anos viu anjos pregando lantejoulas em uma árvore. Em outro tempo ao observar uma plantação de feno, viu caminhar entre os trabalhadores, anjos também. Começo esse texto falando de William Blake, pois acredito que ele é o personagem ideal para ilustrar a fase da subversão. Esse texto estará impregnado de imagens dos trabalhos de Blake. Afinal a fase da subversão é essa em que o imaginário rouba o mundo. Integrar-se a ele é afirmado como o objetivo ideal. Esse é o contexto do romantismo, o qual blake faz parte. 

Blake viveu uma vida de relação direta com imagens de diferentes tipos. ele as pintou, as escreveu. Revelou ao mundo uma camada simbólica poderosa, mitológica, a imagem como experiência primeira. A fase da subversão é caracterizada por essa valorização aos conteúdos imaginários, a vida não basta pelo que é externo. O que se torna presente é um movimento de interiorização, de mergulho profundo em um fosso. Citando Barbier na fase da subversão o imaginário torna-se o único real, e a imaginação, o caminho da realização. 

Se as portas da percepção fossem limpas, tudo pareceria ao homem como realmente é: infinito”.

-Willian Blake-

 (O ancião e os dias, William Blake) 

(Nabuconodosor, William Blake) 

A fase da subversão segue pela arte, pelo confronto com o sublime, ocorre do século XIIX ao século XIX. A demarcação do tempo para uma fase do imaginário só possui mesmo cunho didático.O que barbier fez foi perceber uma postura por parte de alguns artistas neste período que afirmavam/valorizavam uma jornada obscura pelas imagens como um meio possível de se alcançar a totalidade, (os românticos): um movimento que alcançou muita popularidade em seu período. Esse período também foi marcado pela a estabilização da ciência como saber, por meio da física iniciada por newton e toda a conjectura do iluminismo. O candelabro iluminista tinha o objetivo de esclarecer, iluminar, fulminar cada sombra. Como resposta a esse movimento uma série de artistas se impregnaram do oculto/místico/mágico para construir suas obras. Essa ação é o que caracteriza a fase da subversão. 

Barbier segue afirmando que a fase da subversão se expande até o vanguardismo surrealista do século XX. No entanto o surrealismo surge com o intuito de superar a dicotomia real/imaginário. Não há mais uma postura de combate ou de supremacia de uma das parte. O intuito é, citando barbier, resolver o problema (real X imaginário) opondo desta vez o surreal ao par real/imaginário. André breton um dos expoentes do surrealismo fala sobre esse intuito surrealista: “tudo nos leva a crer que existe um certo ponto do espírito de onde a vida e a morte, o real e o imaginário, o passado e o futuro, o comunicável e o incomunicável, o alto e o baixo deixam de ser percebidos contraditoriamente. Foi em vão que se procuraria para a atividade surrealista outro motivo que não fosse a esperança de determinação deste ponto”.

Barbiér vai finalizar a discussão sobre a fase da subversão apontando o quanto uma atitude afirmativa do imaginário não foi suficiente para retirá-lo de uma marginalidade. O círculo intelectual ocidental fazia resistência a valorizar a função imaginante. Mas com o surgimento da psicanálise, as discussões sobre o inconsciente e a ascensão de novos movimentos intelectuais, o olhar sobre o imaginário muda. Essa mudança é apontada pelo autor como início da fase da autorização, onde uma outra postura sobre o par real/imaginário é estabelecida, algo que tende à harmonização. Um dos autores expoentes dessa fase é Bechelard que foi um pioneiro com seu livro “A Poética do Devaneio”.  A fase da autorização será o tema da próxima postagem, segue abaixo os links das postagens anteriores. 

Real x Imaginário: https://osimulacro.tech.blog/2020/02/15/real-x-imaginario-pt1/

A fase da sucessão: https://osimulacro.tech.blog/2020/03/01/real-x-imaginario-a-fase-da-sucessao/

Referências 

Bachelard, G. (2009). A poética do devaneio. Martins Fontes.

Barbier, R. (1994). Sobre o imaginário. Em aberto, 14(61). 

Breton, A. (1924). Manifesto surrealista. Available in: http://www. ufscar. br/~ cec/arquivos/referencias/Manifesto% 20do% 20Surrealismo, 20.

Real (X) Imaginário: A fase da sucessão.

(Vitória de Samotrácia: escultura que representa a deusa Nice, 220/190a.c)

Discutir a diferença entre o real e o imaginário é algo que pressupõe a confirmação de uma maniqueismo filosófico, com esses conceitos postos em polos, não necessariamente antagônicos, mas sim distintos. Pode-se pensar que o real e o imaginário de alguma forma sempre estiveram em relação, mas René Barbier afirma que isso vai se estabelecer após os pré-socráticos¹, por exemplo, com a filosofia de platão onde há uma divisão entre o mundo inteligível e o sensível. O surgimento dessa dicotomia é o marco para o que o autor vai chamar de Fase da Sucessão que pelas palavras do autor: caracteriza-se pela atualização do pensamento racional e a potencialização da função imaginante do ser humano. 

Anteriormente a realidade era tratada em sua totalidade. A experiência com o mundo fluía de forma que o real e o sobrenatural estavam imbricados. O próprio surgimento da filosofia grega se deu com o crescente interesse no racionalismo e a distanciação do pensamento mitológico como base da intelectualidade. Os filósofos pré socráticos estavam interessados em encontrar a substância que explicasse em sua totalidade o que são as coisas, qual é a origem.

Essa pergunta foi a mobilizadora da formação de algumas escolas do pensamento pré-socrático. Como a escola Jônica formada por Tales de Mileto, este afirmava que a origem de todas coisas era a água. Seus sucessores respondiam a mesma pergunta com substância diferentes: Anaximenes, o ar; Anaximandro, uma substância etérea e infinita chamada apeíron; Heráclito, o devir que significava a própria mudança, a impermanência; Empédocles, os quatro elementos. Houve também a escola Pitagórica que tratava a essência das coisas como algo não material e sim ideal: o número. Outra escola era a Eleática que tratava a fonte de tudo como eterna e imutável. Um de seus expoentes foi Xenófenes que afirmava que as coisas giravam ao redor de Deus, do Uno. 

Para o pensamento pré-socrático, então, não era uma questão entender a diferença entre o real e o imaginário. Suas teorias transitavam por questões que hoje estariam a cargo do imaginário e outras que estariam a cargo do real. Para responder a pergunta motivadora desse filósofos (Qual é a substância primeira? ) todo conhecimento, tanto oriundo da mitologia, quanto da racionalidade insurgente era utilizado. Há uma frase atribuída a Tales de Mileto que exemplifica bem isso: tudo está pleno de deuses. Sua teoria apontava que todas as coisas surgiram da água e que a partir disso foram sendo aperfeiçoadas até tudo existir. Seu pensamento de alguma forma relaciona-se bem com a teoria darwinista moderna, mas também conecta-se diretamente à um pensamento mágico presente em seu período. 

O modelo filosófico grego surge pautado no exercício da razão, de alguma forma “superando” o pensando mitológico anterior, o ressignificando sob a forma da alegoria. Platão foi um filósofo que utilizou bastante da mitologia para construir e embasar seu pensamento, um trabalho clássico referente a isso é o Banquete, obra que narra um debate sobre o que seria o amor(eros). É visto nessa apropriação o uso do conteúdos oriundos do imaginário para a construção da filosofia clássica. No entanto a parte do imaginário que afirma o sobrenatural foi por um certo período condenado em Atenas, como escreve Barbier citando (Dodds, 1977, p.198):  Por volta de 432 a.C, em Atenas, a recusa em se crer no sobrenatural e o fato de se ensinar astronomia tornaram-se delitos e assim permaneceram por cerca de trinta anos. 

O que aconteceu na fase da sucessão foi uma divisão e uma apropriação parcial do Imaginário por alguns pensadores. Alguns seguindo por uma ordem transcendente, outros por uma ordem mais materialista. Por exemplo os filósofos gregos se utilizaram da função imaginante para construir e elaborar seus pensamentos e assim se sucedeu com a atualização do pensamento filosófico posterior. A gnose do século II e consequentemente  a alquimia também se apropriaram do imaginário. Essas afirmavam uma possibilidade de transcendência a partir do processo de integração com imagens e símbolos. Um livro interessante sobre esse assunto é o Da Alquimia à Química de Ana Maria Goldfarb que vai narrar o processo de transição de uma estrutura de pensamento Mágico Vitalista presente na alquimia para uma estrutura Mecanicista presente na química moderna. Essa divisão Mágico Vitalista X Mecanicista se esboçou a partir da filosofia clássica pós-socrática. Filósofos como Aristóteles influenciaram tanto futuros pressupostos Mecanicistas quanto Mágicos. Esse processo conflui com a fase da sucessão do imaginário apontada por René Barbier. Nela o imaginário surge a partir de uma separação que põe em opostos o transcendente e o material, o que contraria a máxima pré-socrática de tales “tudo está pleno de deuses”.

Na fase da sucessão o pensamento racional passa a se estabelecer e a imaginação é percebida como um campo aberto/obscuro situado entre um estado de demonização cristã e uma valorização mística. Os dois pólos se relacionavam às vezes de forma ambígua. Mas foi em descartes que o ideal de imaginário (função imaginante) foi posto em um sublugar e a função racional fez alarde sobre a máxima “penso logo existo”. O curioso é que um dos momentos muito importantes para vida de descartes foi uma revelação por meio de um sonho que o ajudou a construir sua teoria. 

Em resumo na fase da sucessão definiu o lugar do imaginário. O conceito surgiu transitando entre vários usos. Polêmico, ele se fez presente de forma constante no pensamento. Ao longo dos séculos até o século 16 as práticas imaginantes foram desvalorizadas, consideradas pecado pela a igreja e delírio pelo intelectualismo protagonizado por descartes. Como resposta a essa desvalorização o imaginário sofrerá uma mudança adentrando em uma nova fase, a fase da subversão em que o imaginário será encarado positivamente. Será o verdadeiro caminho da libertação. A fase da subversão será o tema para a próxima publicação. 

¹ A argumentação de Barbier segue por um viés ocidentalista. Não abarca com exatidão as fases do imaginário, já que se fixa no continente europeu. Ainda pretendo mais afrente me aprofundar nos demais olhares sobre o imaginário.

Referências 

Barbier, R. (1994). Sobre o imaginário. Em aberto, 14(61).

Goldfarb, A. M. A. (1988). Da alquimia à química: um estudo sobre a passagem do pensamento mágico-vitalista ao mecanicismo. Nova Stella, Editora da Universidade de São Paulo.

Real (X) Imaginário

Esse é meu primeiro texto sobre o imaginário. Nele vou tentar tratar da diferença entre o Real e o Imaginário sem estabelecer um consenso sobre esse tema. Minha explanação será como uma partilha de estudo com alguns acréscimos de reflexões pessoais.Estou me interessando cada vez mais por esse campo e sinto a necessidade de compartilhar as descobertas por meio de texto e posteriormente videos, por isso escrevo.  

Inicialmente vou tentar trabalhar a problemático do real e o imaginário a partir de seu significado do senso comum: (o primeiro significado que encontrar no google). Real: o que não é falso, ilusório ou artificial. Imaginário: criado pela imaginação e que só nela tem existência; que não é real; fictício. No sentido comum percebe-se claramente que um se opõe ao outro, partindo então dessa dialética iniciarei a discussão com um exercício imaginativo. 

Um copo está em cima de uma mesa redonda, ao redor há quatro cadeiras. Todo cenário flutua por cima de uma imensa montanha. 

Nesse trecho acima eu narrei um cenário. Inicialmente trouxe a imagem de um copo, depois o situe em cima de uma mesa, apresentei as cadeiras. Cada substantivo evoca um conjunto, uma intenção de imagem. A medida que escrevia, a imagem-palavra se mostrava em um contexto, o copo por exemplo ao imaginá-lo me veio preenchido com água. Na ação criadora, então, eu interferi no contexto modificando-o. Ao final da sentença tentei quebrar uma expectativa apresentando os objetos flutuando por cima de uma montanha. Vou pedir agora que vocês imaginem por alguns segundos cada objeto da sentença, um objeto de cada vez. Copo. Mesa. Quatro cadeiras. Montanha. As imagens apareceram vinculadas à um contexto ? De que forma elas apareceram ? Descreva as imagens. 

Copo. 

Mesa.

Quatro cadeiras.

Montanha. 

Tudo acima foi um tentativa de construir uma interação direta com o imaginário. Há muitas formas de relacionar-se com essa camada profunda de imagens. O que quis tentar mostrar com a parágrafo acima é a tendência quase autônoma dessa imagens, um fator que preenche os contextos. Um copo está em cima de uma mesa redonda, ao redor há quatro cadeiras. Vocês contextualizaram esse objetos em algum espaço?. Caso se esforcem em descrever o local onde os objetos supracitados estão, outros objetos e situações irão surgir. Talvez eles já haviam surgido antes mesmo da sugestão. Esse “surgir” caracteriza esse aspecto autônomo do imaginário. As imagens tomam o tempo das coisas. 

Ao confirmar esse caráter autônomo do imaginário, seu campo torna-se mais complexo. Ultrapassa o senso comum de que o imaginário é o oposto do real, de que é apenas um emaranhados de fantasias e imagens fictícias. A independência das imagens denota sua realidade efetiva, infectando diretamente o real, acrescentando diversas camadas de significado. Isso pode ser evidenciado também pelas narrativas que construímos no dia a dia. O mundo a nossa volta é permeado de significados de porquês e se atentarmos com cuidado percebemos que eles se constroem pelo imaginário. O dinheiro por exemplo se impregna de valor a partir de uma estrutura coletiva que afirma sua função, essa, é imaginária. É sustentada pela imaginação coletiva.

Estruturas imaginárias complementam, se inscrevem, impregnam o mundo. A narrativa em certo sentido é uma fruto do imaginário, um fio que liga fatos, coisas, pessoas por um significado. O real no sentido comum significa o que não é falso, ilusório ou artificial, e por inversão lógica: o que é verdadeiro. A verdade é uma meta para muita estruturas de pensamento, como a ciência positivista, é um ponto focal no qual o vetor dessa ciência se direciona, é uma grande fonte de significado. Entendo então o significado como fruto de uma narrativa e esta por conseguinte sendo uma estrutura imaginária, pode-se inferir que o real (o que é verdadeiro) senso comum, é imaginário. 

Todo o processo lógico que construí nos parágrafos anteriores teve como objetivo brincar com os conceitos de real imaginário a partir do senso comum. Construí alguns argumentos, com o que se entende de imaginário e o que se entende de real, mas para adentrar mais a fundo nesse debate é preciso entender o problema ontológico dessa dualidade Real X Imaginário. Para isso vou me basear no artigo Sobre o Imaginário de René Barbier. No trabalho o autor vai dividir a história do conceito do imaginário em três momentos. O primeiro é a fase da sucessão, trata-se do momento da filosofia ocidental antiga após os pré-socráticos, onde se estabelece um dualismo entre real e imaginário, com o conceito de imaginário posto de forma subestimada. O segundo é a fase de subversão, exemplificado pelo romantismo do século XIX onde o imaginário passou a ser um campo de realização, o único real como citado por Barbier. O terceiro é a fase da autorização onde se busca uma reequilíbrio das polaridades, compensando os extremos das fases anteriores. 

Irei continuar o estudo sobre o tema na próxima publicação onde buscarei entender como se constituiu a primeira fase do imaginário, a fase da sucessão. Seguirei fazendo uma publicação para cada fase.